Toda história que lemos é grandemente influenciada pelo conhecimento prévio que temos acerca dela ou dos seus personagens. Conforme as características que conhecemos das personagens envolvidas interpretaremos suas intenções e reações. Por isso, uma das coisas que os amantes de cinema mais detestam são os famosos “spoilers”, aqueles comentários que revelam detalhes do filme ou o destino das personagens.
Quando lemos uma história com uma ideia preconcebida podemos perder detalhes dela, ou interpretá-la erroneamente, principalmente quando o preconceito for negativo. Ele pode fazer com que fiquemos bloqueados para as palavras e intenções da personagem que perdeu nossa simpatia por causa do preconceito.
Percebi isso nesta semana ao ser despertado por um comentário sobre a vida de Jacó, filho de Isaque e neto de Abraão. Nestes anos de vida cristã não tem como saber quantas vezes li a história de Jacó lá no Gênesis, nem quantas mensagens ouvi baseadas nele. Nunca esteve entre meus personagens favoritos, nem tinha nada em sua trajetória que me servisse de exemplo. Diferente de seu filho José, decididamente o personagem mais fascinante do Antigo Testamento, na minha opinião.
Mas, hoje, confesso que descobri que tinha preconceitos para com ele. Preconceitos esses alimentados pelos comentários lidos e ouvidos a seu respeito que, depois de uma análise mais cuidadosa da história, se provaram equivocados.
Vejamos então três ideias que se ouvem muito sobre Jacó e que influenciam a maneira como interpretamos a sua história, podendo nos fazer perder as riquezas que Deus quer nos passar através dela.
Que o nome de Jacó significa “enganador”.
Quantas vezes você já ouviu isso? Eu ouvi a vida toda. Mas o significado do nome literalmente é “aquele que segura o calcanhar”, porque ele nasceu agarrado ao calcanhar do irmão que nasceu primeiro. O outro significado do nome é “suplantador”. Suplantador é aquele que toma o lugar de ou substitui a outro, seja pela incapacidade/inadequação do outro ou pela conquista do direito ao lugar. Uma boa comparação é o jogador de futebol reserva, ou suplente, que aguarda a oportunidade de substituir (ou suplantar) o titular e mostrar o seu jogo.
Portanto, não há conotação negativa no nome de Jacó. Na verdade, o seu nome instigou-o a pensar que poderia ter participação nas bênçãos sobre as quais ouvia seu avô e seu pai falarem, que por costume da época eram reservadas ao primeiro filho nascido, o primogênito.
Que ele enganou seu irmão Esaú e roubou a sua primogenitura.
Esse conceito também é bastante difundido, e entra aqui o fator que a gente olha para um fato e analisa conforme a nossa escala de valores e não na escala de valores das personagens dentro do seu contexto histórico. Leia a história com cuidado e veja que, em nenhum momento, Jacó ludibria seu irmão. Esaú pediu a comida que ele havia feito e ele ofereceu um negócio. Esaú aceitou o negócio e, no momento, saiu satisfeito. Pense um pouco, eles moravam todos juntos, se Esaú se incomodasse com o negócio bastava ir conversar com a mãe e pedir comida a ela. Mas a Bíblia diz que Esaú “desprezou” (Gn 25:34) o seu direito de primogenitura, ou seja, ele não dava valor, não se importava.
Posteriormente, ao revelar ao pai que havia negociado a primogenitura, Esaú diz: “Não é com razão que se chama ele Jacó (suplantador)? Pois já duas vezes me “suplantou” (Gn 27:36). Algumas versões traduzem “duas vezes me enganou” mas a raiz da palavra traduzida como “enganou” é a mesma do nome Jacó, e a frase significa que Esaú reconheceu que Jacó o suplantou, conquistando o direito de tomar o seu lugar. E lembre-se, nesta frase, quem está falando é uma pessoa amargurada, explicando assim o tom negativo da tradução.
Que ele fugiu do irmão.
Esaú amargurou-se por ter sido “suplantado” pelo irmão. Se você pensar bem, é a reação natural de alguém que reconhece que cometeu um grande erro na vida. Pessoas amarguradas ficam remoendo seus erros e, conforme o seu temperamento, imaginando formas de vingança. Com Esaú foi assim e sua mãe ficou sabendo que ele andava falando que se vingaria.
Rebeca, consciente que as bênçãos das promessas de Deus para Abraão e Isaque recairiam agora sobre Jacó, não quer que seu filho cometa o mesmo erro que Esaú já cometera de tomar mulheres de Canaã para esposas (Gn 26:35,35). É dela a ideia de convencer Isaque a liberar Jacó para buscar uma esposa entre os seus parentes. Isaque aprova a ideia e abençoa Jacó para esta empreitada.
É verdade que Jacó sai sabendo que seu irmão está com raiva dele e, segundo a história, volta muitos anos depois ainda temente da amargura do irmão. Mas Jacó não saiu fugido, nem às pressas. Saiu com a bênção de seu pai para a empreitada e sabendo que um dia voltaria para tomar posse da herança da primogenitura que ele conquistara.
Depois que você “ajusta as lentes” tirando as ideias preconcebidas, ao olhar o texto novamente uma nova história emerge. Algumas coisas que pareciam contraditórias, passam a se encaixar. Por exemplo, você entende como Deus podia falar com e abençoar Jacó. Antes, para mim, não fazia sentido isso acontecer com um cara ruim. Mas ruim, na verdade, era apenas o meu conceito dele.